Descubra as Diferenças entre os Incêndios de 2017 e 2025

  Por: Emanuel de Oliveira Grande Incêndio Florestal de Lindoso. Foto: E. Oliveira, 2025 Portugal volta a estar em destaque na Europa pelas ...

 Por: Emanuel de Oliveira

Grande Incêndio Florestal de Lindoso. Foto: E. Oliveira, 2025

Portugal volta a estar em destaque na Europa pelas piores razões - os incêndios florestais. Muitos comentadores tendem, quase que inevitavelmente, em colocar lado a lado o cenário vivido em 2017, amplamente recordado como o pior ano de que há memória, e o deste verão de 2025, igualmente devastador, mas em circunstâncias muito diferentes na minha opinião.

Fig. 1 - Distribuição espacial do índice de seca meteorológica a 31 de julho de 2017 e de 2025. Fonte: IPMA

Em 2017, o país atravessava uma seca meteorológica sem precedentes. O Boletim Climatológico de julho desse ano, publicado pelo IPMA, indicava que cerca de 79% do território estava em seca severa ou extrema (Fig. 1). A vegetação encontrava-se debilitada e em acentuado e generalizado stress hídrico, tornando extensas áreas em paisagem combustível altamente disponível ao fogo. Em contraste, os registos de 2025 mostram um panorama bem diferente (Fig. 1). Segundo o Boletim Climatológico de julho, no atual ano hidrológico, a precipitação acumulada correspondeu a 108% do valor médio entre 1991 e 2020. Embora o noroeste tenha registado menos chuva do que o esperado, outras regiões, como o interior Centro, o Vale do Tejo e o Alentejo, apresentaram valores superiores. Relativamente à seca meteorológica, 62% do território encontrava-se em seca fraca, apenas 4,6% em seca moderada e o restante (33.3%) em situação normal. Sendo assim, as condições climáticas em pleno verão encontravam-se bastante mais favoráveis do que oito anos antes.

Fig. 2 - Índice de Saúde da Vegetação (VHI - Vegetation Health Index): Semana 34 (26.08). Fonte: NOAA

Valores baixos de VHI (inferiores a 40) indicam vegetação em situação de stress, normalmente associada à seca, baixa humidade e/ou altas temperaturas.

Também no que respeita ao estado da vegetação, a diferença é clara (Fig. 2). Em 2017, os mapas produzidos pela NOAA denunciavam uma vegetação em stress generalizado. Já em 2025, o índice VHI (Vegetation Health Index), que mede a saúde da vegetação através de dados de satélite desde 1982, confirmava uma situação bem menos crítica. No entanto, melhores condições de vegetação e menos stress hídrico não impediram que os fogos deste verão se propagassem e consumissem extensas áreas do território. 

Se olharmos para o período historicamente de maior perigo de incêndio na região mediterrânica, entre 1 de junho e 31 de agosto, as diferenças entre os dois anos tornam-se ainda mais evidentes (Fig. 3). Em 2017, cerca de 60% dos incêndios registados até agosto concentraram-se no verão. Este ano, foram 83%. No que se refere à área ardida, só no verão de 2025 arderam 250 037 ha (valores provisórios), mais 28 mil do que no mesmo período de 2017 e sete vezes acima da média registada entre 2018 e 2024. O resultado é, sem dúvida, preocupante, pois apesar de melhores condições meteorológicas, este é o verão com maior área ardida dos últimos 20 anos.
Fig. 3 - Distribuição Mensal da Área Ardida e do Número de Ocorrências em 2017 e 2025 e  a média do período de 2018 a 2024. Fonte: ICNF

No acumulado, de 1 de janeiro até 31 de agosto, Portugal soma em 2025 mais de 254 295 ha de área ardida (valores provisórios), ultrapassando todos os anos desde 2017 (Fig. 4). Isto representa um aumento muito significativo, de mais de 500% em relação à média anual dos seis anos anteriores. Contudo, o número de ocorrências foi muito mais reduzido, pouco mais de 7 mil ocorrências, bastante inferior quer às mais de 14 mil registadas em 2017, quer à média 2018 a 2024. Este dado revela que uma política assente apenas na supressão de todos os fogos, conduz a incêndios mais destrutivos, com uma média de 36 hectares ardidos por ocorrência.
Fig. 4 - Distribuição anual da área ardida e do número de ocorrências nos meses do verão climatológico (01.06 a 31.08). Fonte: ICNF

Se analisarmos os grandes incêndios, com mais de 500 hectares, a tendência também se repete (Quadro 1). Em 2017 ocorreram 48 fogos desta dimensão, quatro dos quais ultrapassaram os 10 mil hectares (Pedrógão Grande, Góis, Sertã e Alvaiázere). Em 2025, o número de grandes incêndios foi inferior, 35 no total, mas cinco ultrapassaram os 10 mil hectares. 
Quadro 1 - Distribuição dos Megaincêndios Florestais (superiores a 10 mil hectares) ocorridos no verão climatológico de 2017 e de 2025. Fonte: ICNF

Em termos de simultaneidade, o padrão de sobrecarga do dispositivo de extinção manteve-se (Quadro 2). Em 2017, houve dias com 6 grandes incêndios em simultâneo e este ano, embora os máximos tenham sido mais baixos, com 4 ocorrências num mesmo dia (28 e 29 de julho), a pressão sobre o dispositivo foi muito elevada. Outro dado relevante, em comparação com 2025, é que em 2017, houve mais dias consecutivos com grandes ocorrências.
Quadro 2 - Distribuição diária dos Grandes Incêndios Florestais (superiores a 500 hectares) no verão climatológico de 2017 e de 2025. Fonte: ICNF

A situação torna-se ainda mais paradoxal quando se observa que, em 2025, o dispositivo de extinção disponível na fase mais crítica supera significativamente o de 2017 (Quadro 3). Neste ano, houve um reforço de 38,4% no número de operacionais e de cerca de 37% nos meios aéreos, ou seja, alegadamente nunca houve tantos recursos atribuídos ao combate. Embora com mais recursos e meios disponíveis, enfrentamos um clima menos severo que em 2017, e ainda assim a área ardida cresceu de forma significativa.
Quadro 3 - Recursos humanos e Meios Aéreos afetos ao Dispositivo de Extinção discriminados nas respetivas diretivas: DON n.º 2 – DECIF 2017 e na DON n.º - DECIR 2025. Fonte: ANEPC

Concluindo, o trágico ano de 2017 resultou em grande parte, pela conjugação letal de seca extrema, calor intenso e vegetação em stress hídrico crítico na larga maioria do território nacional, o qual se viu agravado pelo fenómeno meteorológico Ophelia em meados de outubro. Foi precisamente a experiência vivida naquele trágico ano que motivou uma ruptura no sistema anterior — o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, vigente desde 2006 — e impulsionou uma mudança de paradigma na gestão dos incêndios. Contudo, sob o novo modelo – o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) – mesmo com condições meteorológicas mais favoráveis e reforço dos meios e recursos, Portugal continua a registar incêndios de dimensão catastrófica. Passados oito anos, os problemas estruturais que afetam os territórios rurais (cerca de 92% do país) persistem e agravam progressivamente a vulnerabilidade da paisagem portuguesa ao fogo. Não ardeu apenas floresta, mas também a eficácia e a pouca eficiência das políticas de prevenção e de combate aos incêndios florestais que repetidamente continuam a falhar. Portugal não aprendeu com 2003, 2005, 2017 e muito provavelmente não aprenderá com 2025, pois aplicar a mesma receita ao mesmo paciente - a nossa paisagem - aumentando apenas dose da mesma medicação, só tem agravado o seu estado. Afinal, só se deixa arder aquilo a que não se dá valor!

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Fogos Florestais: Descubra as Diferenças entre os Incêndios de 2017 e 2025
Descubra as Diferenças entre os Incêndios de 2017 e 2025
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