Por: Emanuel de Oliveira O ato ocorreu durante a primeira sessão temática da Mesa Redonda de Líderes: “Clima e Natureza: Florestas e Ocean...
Por: Emanuel de Oliveira
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| O ato ocorreu durante a primeira sessão temática da Mesa Redonda de Líderes: “Clima e Natureza: Florestas e Oceanos”, com a presença do presidente Lula e de chefes de Estado. - Foto: Ricardo Stuckert / PR. Fonte: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima |
A declaração aprovada na COP30, intitulada “Chamado à Ação sobre Manejo Integrado do Fogo e Resiliência a Incêndios Florestais”, é uma das mais claras manifestações internacionais de mudança de paradigma dos incêndios florestais e no uso do fogo prescrito e do fogo tradicional, indígena ou cultural. O texto, subscrito por Portugal e outras 49 nações, apela a uma abordagem holística e integrada do fogo, reconhecendo o seu papel ecológico, social, cultural e económico, e destaca explicitamente o valor dos saberes tradicionais e indígenas e o protagonismo das comunidades locais, muitos dos quais têm vindo a ser negados durante décadas pelas políticas do velho continente.
Do texto do Chamado à Ação… ou à Contradição?
O documento deixa claro que o Manejo Integrado do Fogo (em português de Portugal, Gestão Integrada do Fogo) não é apenas combater incêndios, mas também usar o fogo como instrumento na gestão adaptativa das paisagens, tornando-as mais resilientes às alterações climáticas e aos grandes incêndios florestais. Da Declaração destaco o seguinte:
- Integração de Saberes Tradicionais e Indígenas no MIF: reconhecimento formal do valor dos conhecimentos ancestrais no uso do fogo.
- Reconhecimento do Papel Ecológico e Cultural do Fogo: reconhecimento explicito que o fogo, embora destrutivo quando não controlado, desempenha um papel ecológico e cultural essencial em muitos contextos, sendo utilizado por povos indígenas e comunidades locais, contribuindo para a formação de ecossistemas resilientes.
- Fortalecimento de Atores Locais e Comunidades Indígenas: compromisso de apoiar o uso do fogo de base comunitária e fomentar a colaboração entre comunidades.
- Promoção da Interoperabilidade entre Sistemas de Conhecimento: o que implica reconhecer sistemas tradicionais de conhecimento sobre fogo ao lado de técnicas modernas.
- Mudança de Paradigma - Da Supressão para Estratégias Preventivas Inclusivas: este compromisso promove uma transição de estratégias de supressão reativa do fogo para estratégias proativas, orientadas pela prevenção, inclusivas e ecológicas, que incluem o uso do fogo prescrito e o fogo tradicional.
Quando a Europa Assina… mas Não Cumpre
Porém, apesar da retórica internacional e da assinatura de Estados como Portugal, Espanha, França, Grécia, Itália ou países do Norte da Europa, a realidade do terreno é muito distinta:
- Em Portugal, comunidades rurais, pastores e agricultores tradicionais continuam impedidos de fazer queimadas sem supervisão de técnicos superiores e permissões quase impossíveis, sob pena de sanções severas.
- Em Espanha e na larga maioria das comunidades autónomas, as queimadas para a renovação de pastagens só podem ser realizadas pelos serviços florestais do Estado.
- Na Alemanha, Itália, Dinamarca ou Reino Unido, a lei criminaliza qualquer utilização do fogo pelo comum cidadão.
- Regulamentos nacionais optam invariavelmente pela centralização, tecnocracia, exigência de formação superior e exclusão de saberes locais, exatamente o contrário do recomendado no documento da COP30.
- Em todos os Estados-Membros da UE, não existem mecanismos de reconhecimento ou validação de saber-fazer tradicional, perpetuando o abandono de paisagens, a acumulação
de combustível e, paradoxalmente, o risco de megaincêndios.
Por outro lado, a julgar pelas afirmações do nosso primeiro-ministro, fica a evidência que nos espera mais do mesmo e não entendeu a declaração que acabara de assinar:
«No compromisso "Chamado à Ação sobre Manejo Integrado do Fogo e Resiliência a Incêndios Florestais", os signatários reconhecem que os incêndios são uma das manifestações mais dramáticas das alterações climáticas, afetam todos os Estados por igual e constituem um desafio que "nenhum país é capaz de enfrentar sozinho"."É esta consciência e este propósito de ação que nos leva a confirmar hoje [quinta-feira] que subscreveremos" este compromisso, disse o chefe do Governo português.
Nesse sentido, os países comprometeram-se a "promover uma transição de abordagens centradas na supressão do fogo para estratégias integradas baseadas na prevenção, a fim de alcançar resiliência sistémica". Na prática, isso significa, por exemplo, apostar na abertura de corta-fogos e na limpeza regular das matas para evitar o surgimento de incêndios, em vez de investir apenas na compra de aviões para os apagar.»
Oportunidade Perdida… ou Desobediência Silenciosa?
O “Chamado à Ação” da COP30 poderia ser o passaporte europeu para uma reforma profunda das políticas de fogo e integração das comunidades rurais. No entanto, a maior parte dos governos prefere a assinatura fácil em fóruns internacionais e a manutenção do característico imobilismo europeu nos regulamentos dos diferentes estados membros. O resultado é a clandestinidade generalizada, o que resulta em milhares de hectares que continuam a ser queimados de forma informal e muitas vezes gerando incêndios florestais.
Da Europa assinaram esta declaração os seguintes países: Alemanha, Arménia, Áustria, Eslováquia, Espanha, França, Geórgia, Grécia, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Rússia e Suíça. Sendo assim, podemos aguardar pacientemente, talvez apenas mais um ou dois séculos, por alterações legislativas que permitam o uso do fogo prescrito, técnico e tradicional, neste continente que tão sabiamente perseguiu, criminalizou e baniu o fogo há cerca de 200 anos. Afinal, porque haveria a Europa de aprender algo com as comunidades tradicionais/rurais que geriram o fogo de forma sustentável durante milénios, quando pode simplesmente continuar a assistir às suas florestas a arder de forma catastrófica todos os verões e gastar milhões de euros a financiar o combate?
A mensagem para os decisores europeus é clara! Não basta participar em eventos mediáticos e assinar declarações internacionais, é preciso criar legislação adequada, certificar os utilizadores tradicionais, simplificar os procedimentos e dar, finalmente, voz a quem cuida do fogo há séculos. O futuro das florestas europeias resilientes depende de coragem política e não serem reféns do combate aos incêndios florestais e da gestão do combustível e das estatísticas.
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